Cena tem sido vista com cada vez mais frequência. Foto: Wagner Oliveira

Pessoas em situação de rua usam sacos plásticos como cobertores no Recife

Quem anda pelas ruas do Centro do Recife e tem um olhar mais atento, certamente, já viu uma cena que preocupa, angustia e incomoda quem se importa com o outro. Pessoas em situação de rua da capital pernambucana estão usando sacos plásticos para se aquecerem do frio da noite e da madrugada. O cenário, cada vez mais frequente, revela vários problemas. A consequência mais grave pode ser a morte por sufocamento. Algo precisa ser feito com urgência.

Os lençóis velhos e pedaços de papelão que antes eram vistos nas calçadas, bancos e praças como apoio para quem não tem um teto agora dividem espaço ou foram substituídos por plásticos. São sacos transparentes, ou aqueles das cores cinza e preta. Eles viram abrigo e proteção para dezenas de pessoas que vivem em situação de rua. A Avenida Conde da Boa Vista é um dos pontos onde mais pode ser encontrada essa população atualmente.

São homens e mulheres, jovens e idosos, que passam dia e noite à espera da sorte. Algumas fotos que ilustram esse texto foram feitas pelo fotógrafo Genival Paparazzi, que mora no Centro do Recife. Ele ficou chocado ou sair de casa e se deparar com essa situação. Não demorou e encontrou outras pessoas na mesma situação. Também fui às ruas para conversar com algumas dessas pessoas. Mas elas falam pouco e quase nada sobre suas vidas. Alguns estão ali por escolha e brigas com familiares. No entanto, outros estão por falta de moradia e abrigo.

Cena angustiante pode ser vista por quem passa pela Av. Conda da Boa Vista. Foto: Genival Paparazzi/Divulgação
Cena angustiante pode ser vista por quem passa pela Avenida Conda da Boa Vista. Foto: Genival Paparazzi/Divulgação

Quem tem a sorte de ganhar um lençol ou quem não tem os seus cobertores roubados consegue descansar coberto com algo que possa aquecer o corpo sem oferecer riscos de sufocamento. E falo descansar porque a gente sabe que não há como dormir uma noite inteira e tranquila de sono nessas condições. A vida na rua não é fácil. Chuva, frio, barulho e a violência são os principais companheiros de quem não tem um teto ou de quem não consegue ou rejeita se abrigar em espaços oferecidos pelo poder público.

Um levantamento feito pelo Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua da Universidade Federal de Minas Gerais revelou que o Recife tinha, até o final de dezembro de 2024, 3.572 pessoas vivendo em situação de rua. Essa quantidade cresce a cada ano. Até dezembro de 2023, havia 2.697 pessoas vivendo nas ruas, segundo o mesmo estudo. Os dados assustadores foram coletados a partir do CadÚnico, do Governo Federal.

Na Avenida Guararapes, no coração do Centro do Recife, também há um grande número de pessoas em situação de rua. Na calçada do prédio dos Correios, que fica na esquina com a Rua do Sol, dorme muita gente sem lar e sem abrigo. Lá, estão protegidos da chuva. Alguns se cobrem com lençóis, outros com os sacos plásticos. Antes que a agitação do horário comercial comece, eles saem para ganhar a vida nas ruas. Vão em busca de comida, trabalho ou até mesmo de uma palavra amiga.

Frente do prédio dos Correios abriga muita gente à noite. Foto: Wagner Oliveira
Frente do prédio dos Correios abriga muita gente à noite. Foto: Wagner Oliveira

O número do último censo da população de rua realizado pela Prefeitura do Recife, em 2023, apontou que havia 1.806 pessoas em situação de rua na cidade. Mas da metade desse total estava nessa situação havia pelo menos três anos. O levantamento apontou que 80% dessas pessoas são negras e 76% delas são do sexo masculino. Além disso, 22% afirmaram não saber ler nem escrever.

Além de serem “invisíveis” aos olhos de muita gente e das autoridades, as pessoas em situação de rua também sofrem violência. Agressões, furtos, roubos e estupros acontecem com frequência. Somente entre os anos de 2020 a 2024, 46.865 casos de violência contra a população em situação de rua foram denunciados no Brasil através do Disque 100. Recife aparece na oitava colocação nesse ranking de violência. Foram registrados 813 casos de violências em um período de quatro anos.

O que se vê no Centro do Recife também é notado na Zona Sul da capital. O bairro de Boa Viagem também transformou-se em dormitório para quem não tem um teto. Muitas ruas e avenidas estão lotadas de gente. Gente que espera por dias melhores. Gente que espera pela ajuda da gente para se alimentar e seguir a vida.

Um dos endereços mais caros do bairro e da cidade, a Avenida Boa Viagem, famoso cartão-postal da capital do frevo, também abriga gente em situação de rua. Eles dormem sob ou sobre os bancos ou ainda encostadas aos quiosques do calçadão. Dormir ao lado de um dos 60 quiosques instalados ao longo das praias do Pina e Boa Viagem oferece certa proteção a quem não tem onde dormir. Mas a situação não agrada os trabalhadores e comerciantes da orla.

Sacos plásticos e papelões se misturam em várias calçadas para aquecer do frio. Fotos: Genival Paparazzi/Divulgação
Sacos plásticos e papelões se misturam em várias calçadas para aquecer do frio. Fotos: Genival Paparazzi/Divulgação

Risco de sufocamento

As pessoas que estão nas calçadas do Recife e usam sacos plásticos como cobertores correm risco de sofrerem sufocamento. Dormir coberto por sacos plásticos é perigoso. Quem faz o alerta é Filipe Prohaska, médico infectologista da Universidade de Pernambuco (UPE). “A pessoa que se cobre com esse tipo de material corre o risco de, ao inspirar e expirar, fechar o ambiente e causar uma morte por sufocamento. Além disso, também há a possibilidade de concentrar gases nocivos”, pondera Prohaska.

O infectologista aponta também que o contato com sacos plásticos traz risco de doenças. “Isso pode causar dermatites de contato, gerar inflamações no corpo e até servir como foco de infecções. Mesmo que a pessoa utilize o plástico apenas uma única vez, o risco existe. O ideal é que essas pessoas não façam uso de sacos plásticos de jeito nenhum. Elas precisam ser acolhidas e protegidas para não enfrentarem o frio nas ruas”, destaca o médico. 

A vida nas ruas também está acompanhada ou é consequência de doenças mentais. Depressão, dependência de álcool ou drogas e esquizofrenia são alguns desses exemplos. Conversei com uma senhora que aparentava ter aproximadamente 60 anos. De unhas pintadas e vestida com várias peças de roupas, ela disse que já havia morado na Itália e que sua família tinha dinheiro. Não quis dizer seu nome nem ser fotografada. Durante a conversar, me pediu para comprar um copo de café para ela e sorria e cumprimentava as pessoas que passavam na parada de ônibus onde ela dorme.

Senhora dorme coberta em parada de ônibus. Foto: Wagner Oliveira
Senhora dorme coberta com plástico em parada de ônibus. Foto: Wagner Oliveira

Recife oferece acolhimento

A Prefeitura do Recife, através da Secretaria de Assistência Social e Combate à Fome, afirma que faz abordagens sociais diárias em vários bairros da cidade por meio do Serviço Especializado em Abordagem Social (SEAS). Nessas ações, segundo a gestão municipal, são ofertados acolhimento institucional, serviços de saúde, acesso à documentação civil e inclusão em programas sociais. A prefeitura ressalta que a adesão não é obrigatória por parte da população.

A Secretaria de Assistência Social diz ainda que disponibiliza 21 serviços de acolhimento para a população recifense, que estão distribuídos em 20 unidades na cidade. No total, são oferecidas mais de 700 vagas destinadas a diferentes públicos em situação de vulnerabilidade social, atendendo, na maior parte dos casos, pessoas em situação de rua.

Entre os serviços, há seis unidades voltadas para crianças e adolescentes, quatro para adultos e famílias, três para pessoas idosas, uma unidade específica para a população LGBTQIA+, dois Hotéis Sociais, três abrigos emergenciais e um abrigo noturno específico para a população em situação de rua.

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